Veio gente pra rir
gente pra chorar
o amigo, o inimigo
o parente
Veio o irmão, o amigo
a prima atrasada do interior
a Dona Maria que nunca sai de casa
Veio gente…
É o circo armado!
Veio gente sem dó!
gente sem piedade!
o namorado
a namorada
gente que “não veio”
gente só pra ver
gente só pra crer
Mas, veio
Até 10h30
Veio gente
Desconhecidos, anônimos e flores
Flores tão aparecidas!
Veio gente pra ver!
Veio o funcionário
O frio, a noite sem sono
O vereador
Os amigos da prefeitura
O parente mal educado
O ex namorado
A amante
Os inimigos
Veio o choro, o arrependimento,
O acerto de contas
O ódio, o acerto de contas
Vieram as contas, os cheques
O inventário, a pensão
Vieram as fotos, a saudade
A lembrança
E esse caixão dentro do chão
Veio o meu aniversário, os 40 anos,
O aperto no peito
E essa confusão
Veio a lembrança dos 10 anos de idade
As brincadeiras
A foto dos meus 02 meses
Me vi no seu colo, então
Veio vindo no tempo
Essa coisa sentida
E todas as cascas de laranjas
Que jogamos naquele fio
Veio a praia, o Guarujá,
A brasília amarela
E eu que não queria
Aprender a dirigir
E aprendi, emburrada e chorando
Me vi indo pra faculdade
Você me buscando
E eu sem saber se queria me formar
Me vi mudando do apartamento
Aquele lá em Santo André
Que eu não queria mudar
Você guardando minhas coisas
Mudo
Por pura consideração
E o olho no meu olho:
- se preocupa não, fia, cê tem casa pra ficar!
Veio essa saudade fudida
Essa orfandade
Esse vazio
E um medo de continuar
Veio a certeza
Que eu não vou te ver
Que eu não sei o que fazer
A não ser chorar
E lembrar
Veio esse desalento
Que nem vontade de correr dá
E eu não consigo entender
Porque o tempo, a vida ou
Seja lá o que isso for
Faz isso com uns cabras
Igual a você
Veio toda essa espiritualidade
Que eu acho de merda
E que não consegue calar
Ou fechar
O rombo que nasceu aqui
Veio na minha mente
Suas roupas, sua bebida
Sua “fazenda”
E o que você ia fazer se ganhasse na loteria
Veio seu celular
Que você gostava tanto
E que sempre tinha crédito
Seus carros
(E o carro zero que você nunca teve)
Veio de novo a saudade
E veio de novo
E eu queria xingar
Veio essa licença
Que eles chamam de “nojo”
Deve ser porque a gente fica o tempo todo
Com vontade de vomitar
Vieram os parentes,
Comeram tudo, mal educados,
Sem consideração
Veio tanta gente
Com tanta intenção
Veio a Lenita oferecer o jazigo
Na manhã que o médico
Ligou do hospital
E a gente tremia porque
Sabia que você tinha morrido
Daí a gente foi pro hospital
Esquecemos sua roupa, seu documento
Voltamos em casa para pegar
Eu, Edinho e Noé
Perdidos…Achados…
Compramos uma camisa, uma gravata
E meias lá no shopping
A gente podia atrasar um pouco
Achávamos que você ia ficar mais um pouco com a gente
(e ficou)
Daí, armamos o circo
O velório
E preparamos a carniça
Pra alguns urubus
E não tinha mais jeito
E ninguém ia mais deixar a gente em paz
Por dois dias
Que as pessoas chamam de luto
Daí, veio o documento
Tudo
E se eu tivesse dinheiro
Você tava até hoje
No hospital
Lá nos aparelhos
De repente, dava certo…
Mas, não deu…
Acabou
Ou começou…
Veio gente,
E como veio gente!
Escrito e dirigido por Ana Cristina da Silva